O objetivo de trazer este tema ao blog não é definir se, de fato, o autismo é deficiência ou não. Pelo contrário, buscamos expor as diferentes visões e nuances sobre o assunto, fomentando a importância de se discutir o tema em sociedade. Assim, independente da resposta que teremos ao final, precisaremos deixar o preconceito e a discriminação de lado. Você vem conosco?
Principais Tópicos Deste Artigo
O que é autismo?
Antes de discutirmos se autismo é deficiência, vamos entender brevemente o que é autismo? Trata-se, então, de um complexo transtorno do neurodesenvolvimento, habitualmente reconhecido na infância (mas nem sempre!), e que pode afetar as habilidades sociais, de comunicação, sensoriais, de autorregulação e diversas outras.
Esse conjunto de sinais e sintomas forma o “espectro” da doença, acometendo os pacientes de diversas maneiras e em graus variados, podendo ou não ser acompanhado de comorbidades como o TDAH, Transtorno de Ansiedade ou depressão por exemplo.
O termo “Transtorno do Espectro Autista”, mais conhecido como TEA, foi oficialmente usado a partir de 2013, após o lançamento da 5ª versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicação oficial da American Psychiatric Association, também conhecido como DSM-5.
Esse manual uniu quatro diagnósticos sob o código 299.00 de TEA: autismo, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação e Síndrome de Asperger.
O TEA na CID-11
Em 2018, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) também ganhou uma nova codificação pela 11ª versão da Classificação Internacional de Doenças, a CID-11, sob o código 6A02. Essa informação é relevante quando queremos entender se o autismo é deficiência pois, diferente da CID-10, a nova classificação incorporou esse termo em algumas situações e está em vigor desde 1º de janeiro de 2022.
Para que você entenda melhor, transcrevemos como o TEA está classificado na CID-11 abaixo:
6A02 – Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)
- 6A02.0 – Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual (DI) e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;
- 6A02.1 – Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual (DI) e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;
- 6A02.2 – Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual (DI) e com linguagem funcional prejudicada;
- 6A02.3 – Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual (DI) e com linguagem funcional prejudicada;
- 6A02.5 – Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual (DI) e com ausência de linguagem funcional;
- 6A02.Y – Outro Transtorno do Espectro do Autismo especificado;
- 6A02.Z – Transtorno do Espectro do Autismo, não especificado.
O que é deficiência?
O termo deficiência tem evoluído de um conceito médico, no qual ela é compreendida como uma limitação no desempenho de uma determinada atividade pelo indivíduo (visual, motora, intelectual) para um conceito mais amplo. Esse novo modelo prevê a deficiência como algo que vai além das limitações e estruturas do corpo, mas depende também da influência de fatores sociais e ambientais do meio no qual está inserida.
Tal mudança conceitual foi estabelecida pela Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, proclamada pela ONU em 2006, que reconheceu ser a “deficiência” um conceito em evolução, dispondo em seu artigo 1º que:
“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interações com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”
Assim, portanto, os impedimentos físicos, mentais, intelectuais e sensoriais são tidos como inerentes à diversidade humana, de modo que a deficiência é o resultado da interação destes impedimentos com as barreiras sociais, podendo levar à dificuldade de inserção social desses indivíduos.
Autismo é deficiência na legislação brasileira?
Em 2012, a Lei Berenice Piana (12.764/12) criou a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que determina o direito dessas pessoas a um diagnóstico precoce, tratamento, terapias e medicamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A Lei também garante o acesso à educação e à proteção social; ao trabalho e a serviços que propiciem a igualdade de oportunidades.
Com relação ao tema abordado neste texto, o § 2º da Lei Berenice Piana determina que: “A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.”
A partir disso, as pessoas com TEA passaram a ser juridicamente respaldadas também pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) destinada a “assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”. Assim, independente do nível de apoio (“gravidade”), qualquer pessoa com TEA é, no Brasil, considerada com deficiência para efeitos legais.
Afinal, o TEA é uma deficiência ou não?
Como vimos, para efeitos legais, autismo é deficiência no Brasil. Mas precisamos tentar discernir do ponto de vista médico científico a diferença entre “distúrbio” (“transtorno”) e “deficiência” para compreender melhor isso.
Um distúrbio é uma condição de saúde que afeta a função típica da mente ou do corpo. Por exemplo, um transtorno mental pode envolver questões cognitivas, emocionais e comportamentais. Do ponto de vista médico, o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento – isso se deve aos impactos neurológicos, psicológicos e sociais que pode ter na vida da pessoa.
Todavia, se considerarmos Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, proclamada pela ONU em 2006 citada anteriormente, o autismo é deficiência na medida em que essas pessoas podem ter impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interações com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
Assim, percebemos que há muito para se discutir sobre esse assunto e pensar nas políticas públicas e legislações acerca do tema. Todavia, independente do termo que resolvermos adotar neste momento, cabe a todos, como sociedade, conscientizar-se de que pessoas com deficiência, sejam autistas ou não, merecem atenção, suporte e respeito adequados as suas necessidades.
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Dr. Matheus Trilico é neurologista referência no diagnóstico e acompanhamento de TEA e TDAH em adultos. Formado em medicina pela Faculdade Estadual de Medicina de Marília (FAMEMA) e com residência em Neurologia pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e mestre também pela UFPR. Além de atuar como neurologista em consultório privado e no Sistema Único de Saúde (SUS), realiza também atividades acadêmicas. Dr. Matheus Trilico acredita que o ser humano precisa conhecer bem sua saúde e, por isso, transmite as informações sobre o quadro clínico de forma clara e didática, reafirmando seu compromisso com a exímia relação médico-paciente. Amante da tecnologia, busca utilizá-la para agregar conhecimento e facilitar a vida dos pacientes, mas sem perder seu foco: o humanismo e a qualidade do atendimento médico.
CRM 35.805/PR – RQE 24.818