O Canabidiol no Autismo: Uma Revolução Terapêutica em Andamento?

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Canabidiol no Autismo

O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, e a busca por tratamentos eficazes é uma corrida contra o tempo para pacientes e famílias. Neste cenário, o uso do canabidiol no autismo emerge como uma esperança revolucionária, podendo em alguns casos oferecer alívio potencial para sintomas debilitantes que afetam a qualidade de vida de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ficou curioso(a) e quer entender melhor o assunto? Então este texto é para você!

A urgência da pesquisa sobre o canabidiol no autismo

Enquanto você lê este artigo, inúmeras famílias lutam diariamente contra os desafios do autismo. O canabidiol (CBD) pode ser a chave para melhorar significativamente a vida dessas pessoas, mas o tempo é crucial. Cada dia de atraso na pesquisa e no desenvolvimento de tratamentos baseados em CBD significa outro dia de luta para aqueles afetados pelo TEA. É claro que o CBD não é um milagre no autismo, mas pode sim ser uma alternativa segura e precisamos discutir sobre o uso do canabidiol no autismo com responsabilidade.

O Sistema Endocanabinoide: Nosso Aliado Interno?

O sistema endocanabinoide (ECS) é uma rede complexa de receptores e neurotransmissores que atua como um maestro na orquestra do nosso corpo. Este sistema regula funções vitais como:

  • Sono: Essencial para a recuperação cognitiva e emocional
  • Humor: Fundamental para interações sociais e bem-estar geral
  • Apetite: Crucial para o desenvolvimento físico e saúde
  • Resposta imunológica: Vital para a proteção contra doenças

Nós já explicamos detalhadamente em outro artigo do blog como funciona o CBD em nosso organismo (vale a leitura!). Mas e o canabidiol no autismo, qual a relação? No TEA, o ECS pode estar desregulado, e é aqui que o CBD entra em cena.

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O sistema endocanabinoide. Fonte: FAPESP

CBD vs. THC: Entendendo a Diferença

  • CBD (Canabidiol): O componente não-psicoativo da cannabis, oferece benefícios terapêuticos sem os efeitos “high”.
  • THC (Tetrahidrocanabinol): O composto psicoativo, responsável pelos efeitos eufóricos associados à cannabis mas que também pode ser importante em algumas doenças específicas.

“O Cientista” é um documentário que traça a história do candidato ao prêmio Nobel Dr. Mechoulam desde o começo de sua carreira… como uma criança do Holocausto na Bulgária, através de sua imigração á Israel, e sua carreira como o principal pesquisador na química e biologia da planta mais incompreendida do mundo. Dr. Mechoulam descobriu que o THC interage com o maior sistema de receptores do corpo humano, o sistema endocanabinoide (ECS).

Formulações de CBD: Qual é a Ideal para o TEA?

  1. Isolado de CBD: 99% de pureza, sem outros canabinoides.
  2. Full Spectrum: Contém todos os compostos da planta, incluindo traços de THC (< 0,3%).
  3. Broad Spectrum: Similar ao Full Spectrum, mas sem THC.

Para o TEA, estudos preliminares sugerem que as formulações Full Spectrum ou Broad Spectrum podem ser até mais eficazes do que as formulações isoladas devido ao “efeito entourage”, onde múltiplos compostos trabalham em sinergia. Isso pode ser um alívio também para o bolso dos pacientes e seus familiares, uma vez que, normalmente, a formulação isolada é mais cara que as demais. No entanto, apenas o médico poderá avaliar qual formulação escolher de canabidol no autismo, uma vez que essa população pode apresentar várias outras comorbidades relevantes.

Evidências Científicas: O Que Dizem os Estudos Mais Recentes Sobre o Canabidiol no Autismo?

Embora a maioria das pesquisas sobre o uso de canabidiol no autismo tenha se concentrado em crianças, há um interesse crescente em entender seus efeitos em adultos. Estudos recentes têm fornecido evidências promissoras sobre o potencial do CBD no tratamento de adultos com TEA.

Um estudo observacional retrospectivo publicado em 2022 no Journal of Cannabis Research analisou os efeitos do tratamento com canabidiol no autismo em 33 adultos. Os resultados mostraram melhorias significativas em várias áreas, incluindo qualidade de vida (76,3%), qualidade do sono (71,4%), concentração (66,7%), ansiedade (47,8%) e irritabilidade (47,8%). O estudo utilizou uma formulação de CBD “full spectrum”, sugerindo que o “efeito entourage” pode desempenhar um papel importante na eficácia do tratamento.

O “efeito entourage“, também conhecido como “efeito comitiva”, refere-se à interação sinérgica entre os diversos compostos presentes na planta Cannabis, incluindo canabinoides, terpenos e flavonoides. Este fenômeno sugere que a combinação desses componentes trabalha em conjunto para produzir efeitos terapêuticos mais potentes e abrangentes do que o uso isolado de um único composto, como o CBD ou THC. Acredita-se que esta sinergia potencializa os benefícios medicinais da planta, resultando em uma eficácia maior no tratamento de várias condições de saúde, incluindo o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Uma revisão sistemática publicada em 2023 na Frontiers in Psychiatry examinou a literatura sobre o uso de canabinoides no tratamento do TEA. Embora focada principalmente em crianças e adolescentes, a revisão encontrou evidências de que os canabinoides, incluindo o CBD, podem melhorar sintomas como hiperatividade, problemas de sono, ansiedade e comportamentos problemáticos em indivíduos autistas.

Outro artigo publicado em 2023 e intitulado “Cannabidiol for the treatment of autism spectrum disorder: hope or hype?”, examinou criticamente as evidências existentes sobre o uso de canabidiol no autismo. Os autores destacaram tanto o potencial promissor do CBD quanto a necessidade de cautela na interpretação dos resultados atuais, enfatizando a importância de mais pesquisas rigorosas.

Adicionalmente, uma revisão sistemática publicada em 2023 no Pharmacology Biochemistry and Behavior, intitulada “Cannabidiol in autism spectrum disorder: A systematic review”, forneceu uma análise abrangente das evidências disponíveis sobre o uso de CBD no TEA. Embora não tenhamos acesso ao conteúdo completo, revisões sistemáticas deste tipo geralmente sintetizam os resultados de múltiplos estudos, oferecendo uma visão mais ampla e robusta do estado atual da pesquisa.

Coletivamente, estes estudos sugerem que o CBD pode ser uma opção terapêutica promissora para adultos com TEA, potencialmente melhorando a qualidade de vida e aliviando sintomas comuns associados ao transtorno. No entanto, é crucial que qualquer consideração sobre o uso de CBD para o TEA seja feita sob orientação médica, levando em conta as necessidades individuais de cada paciente e o contexto legal do uso de canabinoides em cada região.

É importante enfatizar que, embora os resultados sejam encorajadores, mais pesquisas são necessárias para estabelecer diretrizes de dosagem e tratamento mais precisas, bem como para compreender melhor os mecanismos pelos quais o CBD pode beneficiar indivíduos com TEA. A comunidade científica continua a investigar o potencial terapêutico do CBD e outros canabinoides no tratamento do TEA, buscando oferecer opções de tratamento mais eficazes e personalizadas para esta população.

Um exemplo disso é o estudo da Universidade Johns Hopkins sobre o canabidiol no autismo em adultos. No momento da escrita deste artigo, esse estudo ainda estava em andamento, com previsão de término entre 2024 e 2025.

O Impacto Potencial do Canabidiol no Autismo: Uma Revolução em Números

  • Qualidade de vida: Aumento de 76,3% em adultos com TEA
  • Sono: 71,4% dos pacientes relataram melhora significativa
  • Concentração: 66,7% experimentaram aumento na capacidade de foco
  • Ansiedade e irritabilidade: Redução de 47,8% nesses sintomas debilitantes

Estes números não são apenas estatísticas; representam vidas transformadas e famílias que encontraram esperança. Todavia, lembre-se de que o uso do canabidiol no autismo não é uma panaceia, devendo ser avaliado com cautela.

Mecanismo de Ação: Como o CBD Trabalha no Cérebro Autista?

O CBD parece atuar de forma única no sistema nervoso:

  1. Modulação indireta dos receptores CB1 e CB2
  2. Influência na produção de endocanabinoides naturais, como a anandamida
  3. Interação com receptores de serotonina, crucial para regulação do humor
  4. Efeitos ansiolíticos e neuroprotetores, essenciais para indivíduos com TEA

Dosagem e Segurança: O Que Você Precisa Saber?

O uso de canabidiol no autismo requer cuidados especiais e monitoramento constante, tanto em crianças quanto em adultos. Em crianças, é fundamental um acompanhamento rigoroso por parte dos profissionais de saúde. Já em adultos, embora geralmente bem tolerado, também é necessária atenção aos possíveis efeitos e interações com outros medicamentos. Como qualquer tratamento, o CBD pode apresentar efeitos colaterais, que variam de pessoa para pessoa, então fique atento aos principais!

O CBD, embora geralmente bem tolerado, pode causar efeitos como boca seca, sonolência, alterações no apetite, diarreia e, em alguns casos, mudanças de humor ou tontura. Estes efeitos tendem a ser leves e transitórios. Por outro lado, o THC, presente em quantidades mínimas em algumas formulações de CBD, pode provocar efeitos psicoativos mais pronunciados, como alterações na percepção, euforia ou ansiedade. Em crianças, a sensibilidade a esses efeitos pode ser maior, exigindo monitoramento ainda mais cuidadoso. É fundamental ressaltar que a intensidade e a ocorrência desses efeitos variam significativamente entre indivíduos, e que qualquer tratamento deve ser iniciado e monitorado por um profissional de saúde especializado.

Legislação do Canabidiol no Brasil

No Brasil, o uso medicinal do canabidiol (CBD) é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Embora o cenário legal esteja em constante evolução, é importante entender as regras atuais (momento da redação deste texto em 2024):

  1. Comercialização: A ANVISA permite a comercialização de produtos à base de cannabis para fins medicinais desde 2019, através da Resolução RDC 327/2019. Estes produtos devem conter predominantemente CBD e no máximo 0,2% de THC.
  2. Importação: A importação de produtos derivados de cannabis por pessoas físicas é regulamentada pela Resolução RDC n.º 660/22. Esta resolução atualiza as normas anteriores, facilitando o acesso a pacientes que necessitam desses produtos.
  3. Teor de THC: Para importação, os produtos não podem conter mais que 0,2% de THC, a menos que sejam destinados a cuidados paliativos para pacientes sem outras alternativas terapêuticas, conforme prescrição médica.
  4. Legalidade do Óleo: O óleo de CBD é legal no Brasil para uso medicinal, desde que obtido através dos canais autorizados pela ANVISA.
  5. Produção Nacional: Atualmente, a produção de cannabis em território nacional para fins medicinais não é permitida, embora existam projetos de lei em discussão para mudar essa situação.
  6. Autorização Sanitária: Empresas que desejam fabricar, importar e comercializar produtos de cannabis no Brasil devem obter uma Autorização Sanitária específica da ANVISA.

É importante ressaltar que o cenário legal da cannabis medicinal no Brasil está em constante evolução. Um projeto de lei para criar um marco legal da cannabis medicinal no país está em discussão no Senado Federal, o que pode trazer mudanças significativas no futuro próximo.

O Futuro do Tratamento do TEA com CBD: O Que Esperar?

O canabidiol tem ganhado cada vez mais repercussão. Por um lado, isso é ótimo ao trazer o assunto para discussão em múltiplas esferas e conscientizar sobre o uso do fitofármaco. Por outro lado, ainda há muito mito a respeito e produtos com qualidade duvidosa. De repente, parece que as indústrias farmacêuticas têm se aproveitado deste momento para colocar inúmeros produtos na prateleira sem que tenhamos certeza da qualidade de cada um deles.

A incorporação do CBD no Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil tem avançado gradualmente, com diferentes estados e cidades implementando políticas próprias. O estado de São Paulo foi pioneiro, aprovando a distribuição gratuita de medicamentos à base de CBD para três condições específicas: síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gasteau e epilepsias refratárias. O Rio de Janeiro também aprovou uma política estadual de fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol.

Além disso, outros 13 estados já aprovaram projetos semelhantes, embora a implementação varie. É importante notar que, embora haja um movimento crescente para a incorporação do CBD no SUS, ainda não existe uma política nacional unificada, e a disponibilidade e as condições tratadas podem variar significativamente entre diferentes regiões do país.

Por isso, precisamos otimizar a legislação sobre o assunto no país, conscientizar a população e os profissionais sobre o correto uso da medicação, extirpar o preconceito e fomentar pesquisas, inclusive sobre o uso do canabidiol no autismo em adultos.

A Minha Prática Clínica: Experiência do Uso do Canabidiol no Autismo em Adultos

Embora eu não costume comentar aqui no blog sobre esse tipo de experiência, há uma lacuna científica sobre o uso do canabidiol no autismo em adultos e, por isso, esse relato. Trabalho focado exclusivamente com o público TEA e TDAH adulto, tendo alguns pacientes utilizando o CBD em apresentações que variam da isolada à full spectrum. Percebo que, na maioria das vezes, praticamente não há efeitos colaterais associados à medicação. A maioria dos pacientes (mas não todos!) relata melhora do humor, da ansiedade, da agitação e do sono.

Em quase todo o uso do canabidiol no autismo em minha prática acontece como tratamento adjuvante, ou seja, associado a outras medicações de primeira linha. Uma grande dificuldade, infelizmente, ainda é o preço – inacessível para muitos brasileiros.

Conclusão: Uma Chamada à Ação

O CBD oferece uma promessa importante no tratamento do TEA, mas concientização e mais estudos são essenciais. Cada dia de atraso na pesquisa significa outro dia de luta para milhões de indivíduos com autismo e suas famílias. Neste texto exploramos desde a história do CBD até o uso do canabidiol no autismo, trazendo estudos e a legislação sobre o assunto.

Entendemos que os resultados parecem promissores, mas sua prescrição ainda precisa de cautela e acompanhamento de um profissional especializado. Como sociedade, precisamos apoiar a pesquisa sobre CBD e TEA, advogar por políticas que facilitem o acesso a tratamentos baseados em evidências e nos educarmos sobre o assunto – cada um de nós tem um papel importante nesse processo. E você, qual o seu papel? Reflita sobre isso!

Referências Bibliográficas

  1. Mechoulam, R., & Shvo, Y. (1963). The structure of cannabidiol. Tetrahedron, 19(12), 2073-2078.
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  8. Poleg, S., Koukouli, F., & Guimarães, F. S. (2023). Cannabidiol in autism spectrum disorder: A systematic review. Pharmacology Biochemistry and Behavior, 224, 173507.
  9. ANVISA – RDC 327/2019
  10. ANVISA – RDC 660/2022
  11. Projeto de Lei do Senado sobre o marco legal da cannabis medicinal
  12. Resolução RDC 17/2015 da ANVISA
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