O canabidiol (Cannabidiol ou CBD) é um produto químico derivado da planta Cannabis sativa, também conhecida como maconha ou cânhamo. Conhecida há séculos, foi nos últimos anos que ganhou notoriedade em seu uso medicinal, incitando sua legalização.
Muitos se perguntam para que serve o canabidiol: na neurologia, o CBD tem sido empregado há mais tempo para tratamento de algumas epilepsias. Entretanto, pelo seu aparente potencial terapêutico, diversos estudos estão sendo conduzidos em busca de evidências que justifiquem seu uso em outras situações, como autismo, ansiedade, dor crônica, fibromialgia e até em cosméticos. Quer entender melhor sobre o que é o canabidiol e para que ele serve? Então esse artigo é para você!
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O que é canabidiol?
Cannabis sativa ou cânhamo indiano (subfamília Cannaboideae da família Moraceae) é uma planta herbácea nativa da Ásia central e ocidental, cultivada para fins medicinais e para o cânhamo (Cannabis ruderalis), que é uma fibra têxtil natural. A planta contém mais de 400 compostos químicos, dos quais aproximadamente 80 moléculas químicas biologicamente ativas.
Os compostos de canabis mais importantes são os canabinoides. Existem cerca de 60 canabinoides, dos quais o composto psicoativo mais importante é o tetrahidrocanabinol (TCH). Outros compostos identificados são canabidiol (CBD), cannabigerol (CBG), canabinol (CBN), canabicromeno (CBC) e olivetol. Além de canabinoides, a planta contém terpenóides, como beta-mirceno, beta-cariofileno, d-limoneno, linalol e piperidina.
Uma dúvida muito comum entre pacientes e até médicos é a diferença entre o CBD e THC para fins terapêuticos. Em contraste com o Δ9-THC, o CBD não é intoxicante, pois não apresenta atividade psicoativa. Novamente, ele exerce vários efeitos farmacológicos benéficos, incluindo atividades analgésicas e antiinflamatórias importantes. Além disso, várias pesquisas sugerem potencial em suas propriedades antioxidantes, ansiolíticas, antieméticas, antipsicóticas e neuroprotetoras.
Como o canabidiol age em nosso corpo?
É curioso pensar que há pouco tempo sequer imaginávamos que nosso corpo possuía receptores específicos para o canabidiol e, ainda menos provável, que nós mesmos produzimos nossos próprios “endocanabinoides”, formando um recém-descoberto sistema de mesmo nome. Vamos tentar explicar um pouco do que se sabe até hoje, lembrando que é um tema em constante rápida evolução! Se parecer muito técnico para você, vá direto ao tópico seguinte 😉
O sistema endocanabinoide é constituído por receptores canabinoides, endocanabinoides, enzimas metabolizantes e transportadores de membrana. Com a elucidação dos receptores canabinoides, os cientistas aumentaram a curiosidade sobre a existência de ligantes endógenos e tentaram entender como intervir na modulação do sistema, seja com canabinoides sintéticos ou fitocanabinoides (extraídos da cannabis).
Pesquisas demonstraram que as condições patológicas do sistema nervoso central podem se associar à disfunção do sistema endocanabinoide. O canabidiol (CBD) – que não tem efeitos psicoativos – e o tetrahidrocanabinol (THC), encontrados na Cannabis sativa, são os fitocanabinoides mais estudados atualmente.
Os receptores CB1 estão localizados principalmente no sistema nervoso central e medeiam os efeitos psicotrópicos dos canabinoides. Esses receptores influenciam o comportamento de vários neurotransmissores como GABA, glutamato, noradrenalina, serotonina, dopamina e podem influenciar na cognição, percepção, habilidades motoras, apetite, sono, neuroproteção, desenvolvimento neurológico e regulação hormonal. Eles são densamente expressos na pars reticulata da substância negra, cerebelo, hipocampo, estriado e córtex frontal, além distribuídos em menor quantidade no sistema nervoso periférico.
Já os receptores CB2 estão localizados principalmente no sistema imunológico e hematopoiético. Além disso, eles também já foram identificados em algumas áreas do sistema nervoso central. Os receptores CB2 são expressos em maior quantidade na presença de algumas doenças, como dor crônica ou em resposta à neuroinflamação e à hipóxia cerebral.
O metabolismo do canabidiol ocorre no fígado e nos intestinos. A meia-vida do CBD após o contato com a mucosa oral é de 1,4 a 10,9 horas, aumentando para 2 a 5 dias após o consumo oral crônico e para 31 horas após ser inalado. O CBD atingirá uma concentração plasmática máxima entre 0 e 4 horas, aproximadamente.
Como o canabidiol é administrado?
Embora a sua apresentação mais conhecida seja o óleo de canabidiol, também estão disponíveis atualmente cápsulas, spray e cremes tópicos. Assim, normalmente se inicia o tratamento com o óleo de canabidiol em doses baixas, escolhendo formulações sem ou com THC em diferentes níveis, dependendo da indicação. O acompanhamento do paciente durante o início de uso deve ser feito de forma precoce, geralmente entre 1 e 2 semanas, corrigindo-se a dose da medicação a depender da resposta e dos efeitos colaterais.
Principais efeitos adversos do canabidiol
O CBD pode causar alterações hepáticas principalmente se em uso concomitante de outros medicamentos que também interajam com o fígado. Por esse motivo, exames de sangue regulares podem ser indicados pelo médico durante uso dessa substância. Em pacientes com lesão hepática moderada ou grave, a titulação lenta da dose e o ajuste são a abordagem recomendada.
Os principais efeitos colaterais relatados relacionam-se principalmente ao tetraidrocanabinol (THC) e não ao canabidiol (CBD) propriamente. Assim, remédios com canabidiol que também possuam THC podem causar efeitos colaterais como: tontura, alterações do apetite, depressão, desorientação, dissociação, humor eufórico, amnésia, distúrbios de equilíbrio e de atenção, má coordenação dos músculos da fala, alterações do paladar, falta de energia, comprometimento da memória, sonolência, visão embaçada, vertigem, prisão de ventre, diarreia, ardência, ulceração, dor e secura da boca, náuseas e vômitos.
Há relatos ocasionais de sonolência e sedação com o uso de dessas medicações. Esses efeitos colaterais podem diminuir com o tempo e são mais relatados no início do tratamento. Em vista disso, é preciso cautela ao se prescrever canabinoides com outros medicamentos sedativos, como benzodiazepínicos e opioides, principalmente em idosos. Recentemente foram descritos casos de insuficiência respiratória associada ao uso de canabinoides sintéticos.
O uso de canabinoides com THC mostrou uma correlação com o aumento de pensamentos e / ou comportamento suicida. Por isso, quaisquer mudanças no humor ou comportamento requerem avaliação para saber se é o resultado de outros medicamentos, do CBD, do THC ou de doenças subjacentes.
É fundamental ressaltar que o canabidiol é novo no mercado e geralmente usado como uma terapia adjuvante; portanto, mais estudos são necessários para melhor compreender todos os potenciais efeitos colaterais e efeitos sobre as enzimas hepáticas e as interações medicamentosas.
Contraindicações do canabidiol
Contraindicações absolutas ao CBD são alergias ao canabidiol ou a qualquer ingrediente usando na sua fórmula. Aos primeiros sinais de pele, irritação cutânea ou reação anafilática, o paciente deve parar de usar o CBD e alertar seu médico.
Existem algumas contraindicações relativas. Em pacientes com histórico de dependência de drogas ou álcool, é necessário cautela ao prescrever o CBD. Embora saibamos que ele não contém a parte da maconha, ainda é possível que apresente propriedades viciantes. Os médicos devem alertar os pacientes e enfatizar o uso apropriado, analisando sempre o risco versus o benefício.
Outra contraindicação relativa é em pacientes com histórico de transtornos de humor, depressão ou pensamentos suicidas. Pacientes com tal histórico devem ser alertados sobre o uso de CBD, pois estudos correlacionaram o seu uso com o aumento de pensamentos e comportamentos suicidas. Novamente nesses casos, deve-se pesar o risco versus o benefício e informar os pacientes e seus cuidadores para observarem mudanças repentinas de comportamento.
O uso do canabidiol no Brasil
No Brasil, alguns medicamentos derivados da Cannabis podem ser comercializados após autorização da ANVISA. Estes remédios (ou fitofármacos) estão indicados principalmente nos casos em que outras formas de tratamento não estão demonstrando o efeito pretendido e a sua venda é feita com apresentação de receita médica de controle especial.
Até 2014, o canabidiol figurava entre a lista de substâncias proibidas no Brasil pela Anvisa. Em janeiro de 2015, a Agência reclassificou o CBD como uma “substância controlada”. Foi a partir daí que as mudanças na sua comercialização começaram em território nacional.
Nesse mesmo período, a Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, pioneira nacional nessa linha de pesquisa, firmou parceria com a farmacêutica brasileira Prati-Donaduzzi. Assim, o Canabidiol Prati-Donaduzzi foi o primeiro produto brasileiro à base de cannabis autorizado pela ANVISA e chegou às farmácias nacionais em maio de 2020.
Hoje, além do fitofármaco nacional, os pacientes podem importar legalmente outros medicamentos à base de canabinoides, ampliando a oferta e fomentando estudos baseados no uso da substância. Mesmo assim, a prescrição e indicação continua sendo controlada pelo médico e a compra importada só pode ocorrer após autorização individual pela ANVISA. Uma das empresas brasileiras que está investindo nesse setor atualmente é a GreenCare, que comercializa além do óleo de canabidiol, cápsulas, cremes, gel e spray.
Notas finais
Neste artigo explicamos para você o que é o canabidiol, contamos um pouco da sua história e o que sabemos até hoje sobre sua ação em nosso corpo. Mostramos que, embora o conhecimento da erva seja secular, sua legalização para uso medicinal é algo ainda em processo. Todavia, a única forma de sabermos o real potencial desse e de outros fitofármacos é estudando-os, pesquisando-os e os testando. Em um universo onde as drogas habituais esgotam seu potencial terapêutico, alternativas medicinais podem ajudar a busca pela qualidade de vida dos pacientes, sempre com ética, responsabilidade e ciência.
Dr. Matheus Trilico é neurologista referência no diagnóstico e acompanhamento de TEA e TDAH em adultos. Formado em medicina pela Faculdade Estadual de Medicina de Marília (FAMEMA) e com residência em Neurologia pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e mestre também pela UFPR. Além de atuar como neurologista em consultório privado e no Sistema Único de Saúde (SUS), realiza também atividades acadêmicas. Dr. Matheus Trilico acredita que o ser humano precisa conhecer bem sua saúde e, por isso, transmite as informações sobre o quadro clínico de forma clara e didática, reafirmando seu compromisso com a exímia relação médico-paciente. Amante da tecnologia, busca utilizá-la para agregar conhecimento e facilitar a vida dos pacientes, mas sem perder seu foco: o humanismo e a qualidade do atendimento médico.
CRM 35.805/PR – RQE 24.818