A Síndrome de Asperger (SA) foi descrita inicialmente pelo pediatra austríaco Hans Asperger em 1944 após observar pacientes com dificuldades de comunicação e interação social. 50 anos depois, a Síndrome foi introduzida como uma categoria diagnóstica pelo DSM-IV e, desde 2013, deixou de existir isoladamente para integrar os Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Quer entender melhor a Síndrome de Asperger, compreender sua evolução e a nomenclatura atual? Então continue lendo que este texto é para você!
Principais Tópicos Deste Artigo
Uma breve história da Síndrome de Asperger
Em 1943, o psiquiatra austríaco Leo Kanner, estudando as psicoses infantis na Johns Hopkins University, nos EUA, publicou o trabalho “Os distúrbios autísticos de contato afetivo” no qual apresentou uma nova entidade — o autismo infantil precoce. Um ano depois, em 8 de outubro de 1944, o pediatra austríaco Hans Asperger apresentou sua tese de livre-docência com casos atendidos na Clínica Infantil da Universidade de Viena, constituindo o que ele chamou de “psicopatia autística infantil”.
Com o tempo, pesquisadores perceberam grandes semelhanças entre os pacientes de Kanner e Asperger, principalmente por suas dificuldades de comunicação e de interação social. A psiquiatra Lorna Wing foi uma dessas pesquisadoras e responsável por renomear a “psicopatia autística infantil” como a Síndrome de Asperger globalmente conhecida.
Mais recentemente, em 2018, historiadores publicaram informações de que Asperger possivelmente tenha colaborado com o regime Nazista. Há evidências de que o pediatra participou de organizações afiliadas ao partido nazista, legitimou publicamente políticas de higiene racial e cooperou com o programa de eutanásia infantil.
Antes disso, essa nomenclatura ganhou fama e colaborou também para disseminar informações sobre o autismo. Todavia, embora ainda seja utilizada, oficialmente ela já deixou de existir. Ficou com dúvida? Calma! Vamos te explicar a seguir.
As mudanças nas classificações da Síndrome de Asperger
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) é um material de orientação que estabelece critérios diagnósticos para diversas doenças. A sua segunda versão, publicada em 1968, inseriu o autismo no quadro “esquizofrenia de início na infância”. Ao longo dos anos, a sua classificação foi evoluindo e, no DSM IV (1991) a Síndrome de Asperger e o autismo eram classificados como condições distintas.
Foi apenas em 2013 com o DSM-V que surgiu a denominação “Transtorno do Espectro Autista (TEA)”, enquadrando tanto a Síndrome de Asperger quanto o autismo em um mesmo diagnóstico. Dessa forma, o que antes se conhecia como duas condições distintas passou a pertencer a uma mesma condição, que abrange um grande espectro de sintomas.
Fato semelhante aconteceu também com a Classificação Internacional de Doenças (CID). Sua versão mais conhecida pela geração atual, a CID-10, que vigorou de 1993 a dezembro de 2021, classificava o autismo dentro dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (F84) e codificava separadamente a Síndrome de Asperger (F84.5).
Todavia, na CID-11 em vigor desde janeiro de 2022, a SA também deixou de existir isoladamente e passou a fazer parte dos Transtornos do Espectro do Autismo (CID-11 6A02), junto com o autismo infantil, o autismo atípico e outros.
A classificação do autismo na nova CID-11
Veja a seguir como ficaram as subdivisões do Transtorno do Espectro do Autismo na CID-11:
- 6A02.0 – Transtorno do espectro do autismo sem deficiência intelectual e com comprometimento leve ou ausente na linguagem funcional;
- 6A02.1 – Transtorno do espectro do autismo com deficiência intelectual e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;
- 6A02.2– Transtorno do espectro do autismo sem deficiência intelectual e com linguagem funcional prejudicada;
- 6A02.3 – Transtornos do espectro do autismo com deficiência intelectual e com linguagem funcional prejudicada;
- 6A02.4 – Transtorno do espectro do autismo sem deficiência intelectual e com ausência de linguagem funcional;
- 6A02.5 – Transtorno do espectro do autismo com deficiência intelectual e com ausência de linguagem funcional;
- 6A02.Y – Outro transtorno do espectro do autismo especificado;
- 6A02.Z – Transtornos do espectro do autismo não especificados.
O que era considerado Síndrome de Asperger?
A Síndrome de Asperger era uma condição caracterizada por dificuldades significativas na interação social e na comunicação não-verbal, além de padrões de comportamento repetitivos e interesses restritos. Distinguia-se do autismo clássico por não apresentar atraso global cognitivo ou em termos de linguagem. Por isso, ela era frequentemente considerada como uma forma altamente funcional de autismo.
Como fica atualmente?
Todos os comportamentos, que antes faziam parte do que se nomeava como Síndrome de Asperger, ainda estão dentre os padrões a serem observados ao diagnosticar alguém no espectro. O que muda é a separação entre autismo e Asperger, que agora passam a fazer parte de um mesmo espectro que varia em relação a frequência e intensidade de algumas características.
Pessoas com TEA podem apresentar falhas na comunicação social, ou seja, dificuldade para se expressar verbalmente ou por gestos, dificuldade para interagir socialmente de maneira recíproca e, ainda, evidenciar padrões restritos e repetitivos de comportamento, como foco de interesse fixo, movimentos contínuos e alteração de sensibilidade a estímulos sensoriais auditivos, visuais ou táteis.
De uma forma geral, os pacientes dentro do espectro apresentam dificuldades de comunicação social e interesses específicos e repetitivos. Todavia, cada um será afetado em intensidades diferentes, resultando em características bem particulares.
Assim, o diagnóstico continua sendo multidisciplinar e essencialmente clínico, ou seja, baseia-se na presença de prejuízos nas áreas de interação e comunicação social e por um repertório restrito de interesses. Os profissionais normalmente envolvidos no processo são neurologistas, psiquiatras, psicólogos, neuropsicológos, terapêutas ocupacionais e fonoaudiologistas.
O tratamento deve ser sempre individualizado e dependerá da intensidade e gravidade dos sintomas. Nem sempre são necessárias medicações, sendo a base também o acompanhamento multidisciplinar objetivando a qualidade de vida e sensação de bem-estar do paciente.
Neste artigo contamos para você um pouco da história sobre a Síndrome de Asperger. Explicamos que, apesar de ser uma das antigas formas mais populares de autismo, hoje ela cedeu seu nome para englobar os Transtornos do Espectro. Mostramos também a nova classificação de TEA conforme a CID-11 e esclarecemos que o diagnóstico continua pautado na avaliação clínica e multidisciplinar. E aí, gostou do texto? Então compartilhe e ajude outras pessoas a acessarem esse conhecimento.
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Dr. Matheus Trilico é neurologista referência no diagnóstico e acompanhamento de TEA e TDAH em adultos. Formado em medicina pela Faculdade Estadual de Medicina de Marília (FAMEMA) e com residência em Neurologia pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e mestre também pela UFPR. Além de atuar como neurologista em consultório privado e no Sistema Único de Saúde (SUS), realiza também atividades acadêmicas. Dr. Matheus Trilico acredita que o ser humano precisa conhecer bem sua saúde e, por isso, transmite as informações sobre o quadro clínico de forma clara e didática, reafirmando seu compromisso com a exímia relação médico-paciente. Amante da tecnologia, busca utilizá-la para agregar conhecimento e facilitar a vida dos pacientes, mas sem perder seu foco: o humanismo e a qualidade do atendimento médico.
CRM 35.805/PR – RQE 24.818